Google é condenado por monopólio em buscas online nos EUA

Big tech foi considerada culpada em julgamento histórico nesta segunda-feira (05), mas ainda cabe recurso; resultado pode alterar todo o modelo de negócio nos próximos anos.

O Google agiu ilegalmente para construir um monopólio em pesquisas na internet. Esta é avaliação de um juiz federal norte-americano, em julgamento que pode alterar completamente a forma de operação da Alphabet (e de outras big techs). Podemos ver a internet mudando bastante em breve.

A decisão é do juiz Amit P. Mehta, do Distrito de Columbia. A decisão está em um relatório de 286 páginas, que explica que o Google construiu seu posto de líder em buscas na internet de forma desleal, em parte devido a pagamentos a empresas como Apple e Samsung.

Contratos bilionários preveem o Google como mecanismo de busca padrão em diversos celulares e navegadores, segundo o processo movido pelo Departamento de Justiça dos EUA.

A big tech ainda pode recorrer da decisão. Portanto, os impactos do julgamento não devem ser imediatos para usuários, anunciantes, donos de sites, e profissionais de SEO e mídia paga. 

Resumo do caso

A situação é complexa e pode ter diversos desmembramentos. Este é um resumo do que está acontecendo:

  • Os EUA têm as chamadas “leis antitruste”, que protegem consumidores contra monopólios;
  • Em 2020, o Google foi acusado de violar essas leis;
  • O governo dos EUA acusa o Google de monopólio de pesquisas online e de anúncios baseados em pesquisa;
  • O julgamento começou em 2023 e foi concluído em 5 de agosto de 2024;
  • O veredito é que o Google exerce monopólio e busca ativamente reforçar esta posição de mercado;
  • Este monopólio é sustentado em partes por contratos bilionários com outras empresas de tecnologia;
  • Google pode recorrer da decisão; 
  • Ainda não há penalidades definidas, mas elas podem envolver mudanças na operação do Google ou até mesmo venda de ativos da empresa, a fim de desconfigurar o monopólio;
  • O julgamento é considerado histórico porque é a primeira vez em mais de 20 anos que uma empresa de tecnologia é condenada – em 2000, a Microsoft foi considerada culpada por monopólio em navegação web por causa do Internet Explorer;
  • O Google será julgado novamente em setembro, desta vez por monopólio em anúncios.  

A lei antitruste dos EUA

As acusações e julgamentos têm base nas leis antitruste, também chamadas de Sherman Antitrust Act, ou Sherman Act, ou Lei Sherman. É basicamente uma legislação específica para proteção do livre mercado e quebra de monopólios.

Veja abaixo um resumo sobre a lei antitruste, publicado no site do Departamento de Justiça dos EUA:

Essa lei proíbe conspirações que restringem o comércio de forma irrazoável. Sob a Lei Sherman, acordos entre concorrentes para fixar preços ou salários, manipular licitações ou dividir clientes, trabalhadores ou mercados são violações criminais. Outros acordos, como contratos exclusivos que reduzem a concorrência, também podem violar a Lei Antitruste Sherman e estão sujeitos a ações civis.

A Lei Sherman também torna ilegal monopolizar, conspirar para monopolizar ou tentar monopolizar um mercado de produtos ou serviços. Um monopólio ilegal existe quando uma empresa possui poder de mercado para um produto ou serviço e obteve ou manteve esse poder de mercado, não através da competição justa, mas suprimindo a concorrência ao se engajar em condutas anticompetitivas. Ofensas de monopolização podem ser processadas criminal ou civilmente.

A Lei Sherman é de 1890, mas recentemente tem sido aplicada a empresas de tecnologia. O processo contra o Google começou no mandato de Donald Trump, e ocorreram diversos outros durante o governo de Joe Biden.

Isto torna a decisão do juiz Amit Mehta ainda mais importante, pois ela pode influenciar os casos que ainda estão por vir.

A acusação de monopólio em pesquisas

Segundo o juiz Mehta, as ações do Google limitaram o crescimento de rivais como Bing e DuckDuckGo. A Justiça considerou que isto viola as leis antitruste e impede um ambiente saudável de competição no mercado.

Um dos pontos-chave para esse posicionamento são os contratos de bilhões de dólares com empresas de telefonia, como Apple e Samsung. Além disso, já é dona do Android. Logo, praticamente todos os sistemas do mundo têm o Google como padrão de buscas na internet.

Em 2022, o pagamento à Apple foi de 22 bilhões de dólares.

A defesa da big tech argumentou que os contratos não são excludentes. Ou seja, se as pessoas quiserem, elas podem usar outros buscadores, mas não o fazem porque o Google é simplesmente a melhor opção do mercado.

No entanto, na avaliação do juiz:

A ideia de perder dezenas de bilhões em receita garantida do Google – atualmente com pouco ou nenhum custo para a Apple – desincentiva a Apple de lançar seu próprio mecanismo de busca, quando teria a capacidade de o fazer.

Um Vice Presidente Sênior da Apple informou ainda que “não há valor que a Microsoft pudesse oferecer para incorporar o Bing aos aparelhos”

O monopólio é descrito como “notavelmente durável”. O relatório do julgamento informa que a penetração de mercado do Google cresceu de 80% em 2009 para 90% em 2020.

Em comparação, o Bing tem apenas 6% do mercado.

Segundo o juiz Mehta:

Se existe genuína competição no mercado para buscas gerais, isso não se manifestou de formas convencionais, como fatias de mercado fluidas, ou negócios saindo ou entrando. A realidade do mercado é que o Google é a única escolha real como mecanismo de busca padrão.

No documento, é usado o termo GSE. É um acrônimo para “mecanismo de pesquisa geral”. Google, Bing, DuckDuckGo, entre outros do mesmo tipo se enquadram nessa categoria.

Segundo o relatório, nem mesmo as maiores empresas dos Estados Unidos, listadas na Fortune 500, têm alternativas do Google:

Em diversas oportunidades os parceiros do Google concluíram que é financeiramente inviável mudar de GSE padrão ou buscar maior flexibilidade em pesquisa porque isso significa sacrificar centenas de milhões, se não bilhões de dólares que o Google paga como participação em receita. São empresas Fortune 500 e eles não tem ninguém a quem recorrer além do Google.

O ponto central do julgamento é a Pesquisa Orgânica, mas o monopólio também impacta geração de receita por meio de anúncios. Afinal, quanto mais pessoas usam o Google, mais valiosos os seus espaços publicitários se tornam, e maior é a concorrência em seus leilões.

O juiz Mehta argumenta que o Google pode aumentar os preços do Google Ads sem qualquer competição significativa. Esses aumentos não teriam como objetivo ajustar o preço à qualidade do anúncio, e sim gerar lucro em longo prazo.

Possíveis penalidades

Agora o processo entra em uma nova fase legal para definir exatamente quais são as consequências, penalidades, ou mudanças que o Google deve fazer em suas operações. São práticas para restaurar um ecossistema mais competitivo de pesquisas na internet, como:

  • Proibição de contratos como os da Apple ou Samsung;
  • Obrigatoriedade de mudar as formas como o buscador é oferecido em navegadores e celulares;
  • Implementação de telas informando sobre a possibilidade de usar outros navegadores;
  • Multas.

Estas possibilidades foram levantadas por advogados dos Estados Unidos, entrevistados por portais como CNN, The New York Times, The Verge, entre outros. 

Ninguém sabe exatamente o que acontecerá pois o processo ainda não chegou nesta fase. O Google pode recorrer da condenação (e já anunciou que o fará, como você pode ver mais abaixo no post). Além disso, deve levar meses ou anos para que as punições sejam definidas e exercidas.

Um detalhe é que as multas são pouco prováveis. Segundo Rebeca Allensworth, professora de direito da Vanderbilt University, o governo raramente as aplica aplica por considerar que são insignificantes comparadas ao faturamento de uma empresa como o Google. As falas foram para a CNN.

Logo, o mais possível é que o Google mude drasticamente as formas de oferecer e precificar serviços.

De toda forma, não há impactos diretos para quem usa o ecossistema Google neste momento.

O que acontece agora?

Ninguém sabe exatamente o que acontecerá agora. O que sabemos por enquanto é que o Google vai recorrer da decisão e o processo tende a se arrastar antes de ser finalmente concluído.

Segundo George Hay, professor de Direito da Cornell University e membro da divisão antitruste do Departamento de Justiça dos EUA na década de 1970, o processo de recurso pode durar até cinco anos.

O Google usará o período para rebater as acusações do juiz. Isso não impediria a empresa de receber outros processos relacionados às práticas de monopólio. Por exemplo, de outras empresas ou anunciantes que se sintam prejudicados por concorrência desleal ou preços abusivos.

As falas foram para a rede de rádios públicas NPR. 

A resposta do Google

O Google emitiu uma resposta oficial no Twitter. Ela é assinada por Kent Walker, Presidente de Assuntos Globais, e informa que a empresa recorrerá da decisão.

Veja a tradução da nota:

Esta decisão reconhece que o Google oferece o melhor mecanismo de busca, mas conclui que não deveríamos torná-lo facilmente acessível. Apreciamos a descoberta da Corte que o Google é ‘o mecanismo de busca de maior qualidade na indústria, o que garantiu ao Google a confiança de centenas de milhões de usuários diários’, e que o Google ‘tem sido o melhor mecanismo de busca, particularmente em dispositivos móveis’, que ‘tem continuado a inovar em pesquisa’ e que ‘Apple e Mozilla ocasionalmente comparam as qualidades de pesquisa do Google com seus rivais e consideram o Google superior’. Dito isso, e considerando que as pessoas estão buscando informações de mais e mais formas, vamos recorrer. Enquanto este processo continua, permanecemos focados em fazer produtos que as pessoas consideram úteis e fáceis de usar. 

Monopólio também em Pesquisa Paga

O processo julgado no dia 5 de agosto é apenas o primeiro do Google. Em 9 de setembro de 2024, a empresa será julgada por monopólio em anúncios de pesquisa.

A premissa é a mesma: o Google monopoliza anúncios de marketing de forma ilegal, aumentando seus lucros e os custos para anunciantes. E, como não há concorrência, os anunciantes são obrigados a aceitar os valores.

Segundo o Google, operar de outra forma “iria atrasar inovação, aumentar custos e dificultar o crescimento de milhares de pequenas empresas e editoras de conteúdo”.

Quem acusa é o Departamento de Justiça dos EUA, em parceria com um grupo de oito estados. O processo ocorrerá no estado de Virginia. A ação judicial foi feita em janeiro de 2023, sob o argumento de que o Google:

Corrompeu a concorrência legítima na indústria de tecnologia de anúncios ao se envolver em uma campanha sistemática para assumir o controle de uma ampla faixa de ferramentas de alta tecnologia usadas por editores, corretores e anunciantes para facilitar publicidade digital”.

Em março de 2025, o Google será julgado no Texas. O motivo é o mesmo: monopólio em tecnologia de anúncios. 

A repercussão do caso

O julgamento é considerado “histórico” nos Estados Unidos por ser uma ação efetiva para limitar o poder das Big Techs. Além do Google, outras empresas também estão na mira do governo, como Apple, Amazon e Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp. Algumas inclusive já foram processadas.

Antes dessa “leva” de processos, iniciadas nos dois últimos governos dos EUA, a última empresa punida foi a Microsoft. O caso já tem mais de 20 anos, e julgou que a empresa cometia monopólio por praticamente obrigar usuários do Windows a usar o Internet Explorer.

Para Rebecca Haw Allensworth, professora de Direito da Vanderbilt University:

Este é o caso antitruste mais importante do século e o primeiro de uma série de ações contra big techs. É um grande ponto de virada.

Para Merrick Garland, procurador-geral dos EUA:

Esta vitória contra o Google é uma vitória histórica para o povo americano. Nenhuma companhia, não importa quão grande ou influente, está acima da lei.

A Casa Branca também chamou o veredito de vitória do povo americano. Para a porta-voz Karine Jean-Pierre:

Como o presidente Biden e a vice-presidente Harris falam há bastante tempo, os americanos merecem uma internet livre, justa e aberta para competição.

Jonathan Kanter, chefe do departamento antitruste do Departamento de Justiça dos EUA, declarou que:

Essa decisão é um marco que responsabiliza o Google. Ela abre caminho para a inovação para as gerações futuras e protege o acesso à informação para todos os americanos.

Kamyl Bazbaz, Vice-presidente Sênior do DuckDuckGo, comemorou a decisão. O CEO da empresa testemunhou contra o Google no julgamento.

A jornada adiante será longa. Como estamos vendo na União Europeia e em outros lugares, o Google fará qualquer coisa para evitar mudar sua conduta. No entanto, sabemos que há uma demanda reprimida por alternativas em pesquisas na internet e esse resultado possibilita o acesso a mais opções.

As falas foram feitas em comunicados oficiais ou entrevistas a portais de notícias dos EUA, como NPR, The New York Times, The Verge e CNN.

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Seguimos acompanhando o caso por aqui. Embora ele ainda não tenha efeitos imediatos no trabalho de quem investe em SEO, possivelmente veremos mudanças drásticas no marketing em mecanismos de busca no futuro.

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  • Elyson Gums

    Elyson Gums

    Jornalista e mestre em Comunicação Social. Produzo conteúdo para projetos de SEO e inbound marketing desde 2014.

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